Por José Rodrigues* Vivemos um cenário nacional que traz preocupações para todos os brasileiros. Recentemente, por exemplo, lemos sobre a propositura do Deputado Federal
Fábio Garcia (União Brasil) protocolando uma Proposta de Emenda à Constituição - PEC para garantir o respeito à
coisa julgada. A proposta visa instituir o quórum qualificado de dois terços dos membros de tribunais superiores em discussões que já tenham jurisprudência firmada pelas cortes. No atual cenário, até o passado é incerto. Também tomamos conhecimento através da imprensa que a Deputada Estadual Janaina Riva (MDB), embora não seja competência da Assembleia Legislativa, defendeu a pena de morte ou prisão perpétua para pessoas que cometem estupro e pedofilia. Segundo a parlamentar, as leis no Brasil são “brandas” para esses crimes. No mês de março de 2023 o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação de comissões especiais para analisar propostas de emenda à Constituição (PECs). A primeira para analisar a
PEC 169/19, do deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM), que autoriza o servidor público a acumular cargo de professor com outro cargo de qualquer natureza. Hoje, conforme a Constituição, o acúmulo só é permitido para cargos técnicos ou científicos. Uma outra comissão especial criada para analisar a
PEC 24/11, do deputado Arthur Lira, que permite ao titular de precatório judicial utilizá-lo para comprar a casa própria. A admissibilidade da PEC
foi analisada e aprovada em 2019 na CCJ. E também uma comissão especial para estudar medidas para a transição energética no Brasil (ampliação do uso de fontes renováveis e produção de hidrogênio verde). A Constituição Federal do Brasil, já possui 128 (cento e vinte e oito) Emendas, sendo a última delas publicada em 23.12.2022, que acrescenta § 7º ao art. 167 da Constituição Federal, para proibir a imposição e a transferência, por lei, de qualquer encargo financeiro decorrente da prestação de serviço público para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Na prática, a Constituição da República Federativa do Brasil já é uma colcha de retalhos, em relação ao texto original promulgado em 1988. No Senado Federal, ao pesquisar sobre as proposituras de Propostas de Emenda à Constituição, no endereço
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias, encontramos 3.771 (três mil, setecentos e setenta e uma) iniciativas dos Senadores de alterar a Constituição. Na Câmara dos Deputados, também ao pesquisar sobre as proposituras de Propostas de Emenda à Constituição, no endereço
https://www.camara.leg.br/busca-portal/proposicoes/pesquisa-simplificada encontramos 3.808 (três mil, oitocentos e oito) iniciativas dos Deputados Federais de alterar a Constituição. Diante desse cenário de incertezas, onde vivemos situações de intervenção do Governo Federal em Estados, como ocorreu no Rio de Janeiro, de acordo com o artigo 34 da Constituição Federal de 1988 que estabelece em quais situações o Governo Federal pode intervir nas competências de um ente da federação, isto é, de um estado ou do Distrito Federal. A possibilidade de intervenção federativa existe desde 1891, quando foi promulgada a primeira constituição pós-proclamação da República. O Brasil é uma República Federativa, o que significa, na prática, que municípios, estados e Governo Federal têm responsabilidades próprias e autonomia em sua gestão e políticas, sem que um deles interfira nas atribuições dos demais. Mas há exceções. Por motivos de segurança, por exemplo, a Constituição prevê alguns casos em que a União pode sim intervir naquilo que não era, originalmente, sua atribuição. Vivemos também nos dias atuais a intervenção do Estado de Mato Grosso, na Prefeitura de Cuiabá, em razão da precariedade que se encontra a saúde pública, de acordo com a decisão do Tribunal de Justiça, já mantida pelos Tribunais Superiores. No Rio Grande do Norte vivemos uma enorme crise na segurança pública, iniciada no dia 14 de março, com mais de 300 ataques criminosos a prédios públicos, veículos e comércios. Já passam de 187 suspeitos presos. As situações graves e preocupantes são inúmeras e perpassam pela espinha dorsal da Constituição Federal, instituída pelo povo brasileiro, em Assembleia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático, que possuía naquele momento, alguns interesses primordiais, que ora estão em crise. É importante lembrar que no Brasil, as cláusulas pétreas são conceituadas como limites materiais à reforma da
constituição e estão inseridas no art.
60,
§ 4ºda
Constituição Federal de 1988. São essas as matérias que o constituinte originário alçou ao patamar mais importante na
Constituição Federal, inscritas como intangíveis no fundamento constitucional do direito brasileiro, ou seja, servem como limitadores ao poder de reforma. São elas: A forma federativa de Estado; O voto direto, secreto, universal e periódico; A separação dos Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário; Os direitos e garantias individuais. O Direito ao trabalho é um direito social. Este direito está garantido pela Constituição em seu art. 6º, quando são elencados os direitos sociais, e os arts. 7º a 11 contemplam os principais direitos para os trabalhadores que desenvolvem atividades sob a égide da legislação brasileira. Porém, já está novamente em vias de sofrer modificações pelo Congresso Nacional. São direitos individuais, ser tratado como iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Porém, através de interpretações da Constituição, temos visto algumas decisões do Poder Judiciário, na contramão da assegurar os direitos individuais. O oposto do que desejava o Constituinte. A organização do Estado tem sofrido modificações ao longo do tempo, como resultado das Emendas Constitucionais 15/1996, 46/2005 e 102/2019. Afinal, quem hoje pode afirmar que vivemos em um país onde a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça são valores supremos? Por tudo que temos acompanhado nesses anos, é chegada a hora de fazer uma reflexão! Precisamos de uma nova Assembleia Nacional Constituinte? O povo brasileiro está satisfeito com os termos descritos na Constituição atual e suas emendas? O conteúdo da Constituição está adequado a realidade que vivemos? Na época da promulgação da Constituição Federal de 1988, não existia internet, da forma como estamos familiarizados hoje; Telefone celular não fazia parte da realidade do povo brasileiro; falar em carro elétrico era assunto de filme de ficção científica; e dizer que seria possível morar em outro planeta, era coisa de maluco. Bom tudo isso é possível! Agora temos que refletir. Estamos em um momento adequado para fazer uma nova Assembleia Nacional Constituinte? Será que a realização de uma nova Assembleia Nacional Constituinte poderia trazer retrocessos aos direitos conquistados pelo povo brasileiro? Existe um momento ideal para tomada dessa decisão? Em agosto de 2006, ao receber um grupo de juristas e advogados no Palácio do Planalto, o então presidente Luíz Inácio Lula da Silva (PT) lançou a proposta de se convocar uma Assembleia Constituinte para fazer reformas na lei maior e nas instituições do país. Basicamente, a ideia surgiu em decorrência da degradação da vida política brasileira, que atingira níveis nunca antes vistos. Infelizmente, isso não mudou. A Constituição de 1988 já previa passar por uma revisão, que aconteceu em outubro de 1993 (20 anos atrás). Apesar dos vários avanços rumo à democracia que nela estão contidos, porém, o que não lhe faltam também são problemas - e as muitas emendas são prova suficiente disso. Mesmo reconhecendo os grandes avanços e a importância da Constituição Federal de 1988, é inegável que temas fundamentais para o Brasil deixaram de merecer tratamento adequado. Todos sabemos que existe um déficit expressivo de regras de governança no Brasil. Isso passa pela desigualdade da representação da população na Câmara dos Deputados; pela crise fiscal; pela necessidade de reforma no sistema tributário nacional / novo arcabouço fiscal (em um contexto de queda na arrecadação de ICMS sentida pelos Estados); melhoria da prestação dos serviços públicos, com foco na eficiência; regras do Marco Civil da Internet; autorização ou restrição para porte e posse de armas; dentre tantas outros. Fazendo um resgate histórico, para entendermos melhor a janela temporal entre uma Constituição e outra que o País já teve, registramos que a primeira constituição do Brasil Império foi de 1824, a segunda (67 anos depois) já no Brasil República, é de 1891, a terceira, Segunda República, é de 1934 (43 anos depois), a quarta é de 1937, Estado Novo (3 anos depois), a quinta é de 1946 (9 anos depois), já a sexta, do Regime Militar, é de 1967 (21 anos depois) e a atual, de 1988, a Constituição Cidadã (21 anos depois). Enfim, o caminho escolhido das emendas constitucionais, utilizado ao longo dos últimos 35 (trinta e cinco) anos, tem enfrentado dificuldades, diante da criação de um presidencialismo de coalizão, no qual o Poder Executivo possui maioria apenas em alguns momentos. Talvez, um dos erros dos Constituintes, foi não ter previsto uma revisão, por exemplo, a cada 10 (dez) anos, como a que ocorreu parcialmente em 1993. Talvez seja o momento das nossas lideranças políticas iniciarem as tratativas sobre o tema, se engajando com a sociedade civil, as Universidades, trazendo o Poder Judiciário para o debate, tendo a oportunidade de traçar alguns limites de atuação, excluindo a possibilidade de retrocesso. Creio que somente assim, poderemos nos aproximar do desejo do povo brasileiro, que em 1988 planejou a instituição de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, enalteceu sua a liberdade, primou pela a segurança, sonhou com seu bem-estar, queria o desenvolvimento, repudiava a desigualdade e clamava por justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. * José Rodrigues Rocha é advogado, jornalista, pós-graduado em direito constitucional, escritor, palestrante, consultor e conferencista