Em um caso que ilustra a complexidade e os desafios do sistema judicial brasileiro, o engenheiro civil Beltino José Ferreira Bonfim, de Campo Grande (MS), perdeu o imóvel que havia quitado em 86% das prestações e ainda foi condenado a pagar R$ 442 mil à construtora.
A situação, que envolve denúncias de irregularidades no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), foi levada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em meio às investigações da Operação Ultima Ratio, deflagrada pela Polícia Federal para apurar a venda de sentenças.
O Caso do Engenheiro
Em 1997, Beltino adquiriu um apartamento em Campo Grande com entrada de R$ 550 e 120 parcelas. Ao longo de anos, ele quitou 124 prestações, incluindo parte do saldo residual.
No entanto, após atrasar 21 parcelas, a construtora Tecnifh entrou com ação judicial solicitando a reintegração de posse do imóvel e o pagamento de valores devidos.
Inicialmente, o juiz Paulo Afonso de Oliveira, da 2ª Vara Cível, negou o pedido da construtora, considerando que 86% da dívida havia sido paga.
O magistrado entendeu que o pedido da empresa não se sustentava devido à falta de solicitação para regularização das parcelas pendentes. Porém, o cenário mudou após o caso chegar ao TJMS.
A Reviravolta Judicial
Na 5ª Câmara Cível, o desembargador relator Júlio Roberto Siqueira Cardoso manteve a decisão favorável ao engenheiro. Contudo, após pedido de vista do desembargador Vladimir Abreu da Silva, a decisão foi reformulada.
O tribunal entendeu que 23% de inadimplência não configurava percentual irrelevante, determinando a rescisão do contrato, a reintegração de posse do apartamento e uma indenização por fruição a favor da construtora.
Beltino foi ainda condenado a pagar custas processuais e honorários advocatícios.
Consequências
A construtora retomou o imóvel em novembro de 2019, mesmo após o engenheiro ter desembolsado cerca de R$ 225 mil (valores corrigidos). Além disso, Beltino foi condenado a quitar uma dívida residual de R$ 442 mil, que incluía juros e correções.
Atualmente, a dívida soma R$ 367 mil, com bloqueios de bens e pedidos de penhora de 30% do salário de Beltino, que é servidor público.
Operação Ultima Ratio e Denúncias ao CNJ
O caso ganhou novos contornos com a Operação Ultima Ratio, que investiga a venda de sentenças no TJMS. Três desembargadores estão sob suspeita, incluindo Vladimir Abreu da Silva e Sideni Soncini Pimentel, respectivamente presidente e vice-presidente eleitos do tribunal.
O terceiro envolvido, Júlio Roberto Siqueira Cardoso, foi alvo de busca e apreensão, com R$ 2,7 milhões encontrados pela PF em sua posse.
Em denúncia protocolada no CNJ, Beltino alega parcialidade no julgamento e pede a anulação do acórdão que o condenou.
Ele critica a falta de alternativas judiciais e destaca a desproporção da decisão que o levou a perder o imóvel e arcar com altas penalidades financeiras.
Impacto e Debate
O caso levanta debates sobre corrupção, imparcialidade e segurança jurídica no sistema de justiça.
A denúncia no CNJ pode abrir um precedente importante, colocando em evidência os desafios enfrentados por cidadãos em busca de justiça. Beltino, agora, deposita sua esperança no conselho como última instância para reverter a situação.