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JOSÉ RODRIGUES Domingo, 04 de Junho de 2023, 09:02 - A | A

Domingo, 04 de Junho de 2023, 09h:02 - A | A

JOSÉ RODRIGUES

Pode isso Arnaldo?

Por José Rodrigues*   Nos programas esportivos, o apresentador se destacou com a famosa frase “Pode isso, Arnaldo?”, em referência ao colega comentarista de arbitragem Arnaldo Cézar Coelho. A frase é do jornalista esportivo Galvão Bueno.   Mas não vamos tratar de futebol nesse artigo.   E sim de uma tentativa do Prefeito de Cuiabá Emanuel Pinheiro (MDB) de parcelar uma dívida com o Governo Federal, em razão de descontos feitos nos salários dos servidores da Prefeitura Municipal de Cuiabá – Mato Grosso.   O Prefeito de Cuiabá enviou a Câmara Municipal de Vereadores uma Mensagem, esta de número 22/2023, solicitando o parcelamento de dívidas de tributos e contribuições federais, em regime de urgência.   A busca de aprovação se deve ao fato de que a Prefeitura de Cuiabá-MT, deixou de pagar a Previdência Social (INSS), o FGTS, o IRRF e PIS/COFINS/CSLL, em um montante que ultrapassa o valor de R$ 165.000.000,00 (Cento e Sessenta e Cinco Milhões de Reais), descontados dos servidores da Empresa Cuiabana de Saúde e do Fundo Único Municipal de Educação.   A tentativa é de parcelamento da dívida em no mínimo 60 (Sessenta) meses, o que pode acarretar, em razão dos juros e multas, que o valor ultrapasse a soma de R$ 300.000.000,00 (Trezentos Milhões de Reais).   O Presidente da Câmara de Cuiabá, Vereador Chico 2000 (PL), procurou o Ministério Público Estadual (Núcleo de Defesa do Patrimônio Público), na data de 17.08.2023, para pedir esclarecimentos sobre o Projeto de Lei n.º 31.564/2023, de autoria do Poder Executivo, que trata do assunto. Segundo o parlamentar a dívida varia entre R$ 160 Milhões e R$ 180 Milhões.   O Ministério Público alertou que a operação precisa cumprir o que disciplina Lei de Responsabilidade Fiscal, n.º 101/2000, artigos 15 e 16, senão vejamos: “Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17. Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de: (Vide ADI 6357) I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes; II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. § 1o Para os fins desta Lei Complementar, considera-se: I - adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício; II - compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições. § 2o A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas. § 3o Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias. § 4o As normas do caput constituem condição prévia para: I - empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras; II - desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3o do art. 182 da Constituição.”   De acordo com o Ministério Público, a autorização genérica, conforme está sendo postulada pelo Poder Executivo, além de ferir o Princípio da Transparência, pode causar prejuízos consideráveis ao Município, a exemplo do pagamento de valores prescritos. Além disso, os valores indicados na Mensagem, conforme os Promotores de Justiça, também não correspondem aos que estão registrados na lista de devedores da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.   O Presidente da Câmara Municipal foi alertado que o Código Penal Brasileiro tipifica como crime contra as finanças públicas ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei.   O art. 359-D do CP pune a conduta de ordenar (determinar que se faça) despesa não autorizada por lei (sem que haja previsão orçamentária para tanto). “De acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 15, Seção I, Capítulo IV, serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou a assunção de obrigação que não atendam ao disposto nos arts. 16 e 17. Assim, por exemplo, deve a geração de despesa vir acompanhada da ‘declaração do ordenador de despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias’. A falta do preenchimento desse requisito torna a despesa desautorizada nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal” (Curso de Direito Penal – Parte Especial, v. 3, p. 676-677).   Além disso, a aprovação da mensagem legislativa, sem a observância aos requisitos legais, pode causar elevado dano ao erário municipal, o que pode levar a responsabilização solidária daqueles que autorizam a prática do ato ilegal, ou seja, os Vereadores podem ser corresponsáveis pela prática.   A proposta já foi alvo de críticas de Vereadores da oposição ao Prefeito Emanuel Pinheiro e alertaram que o Projeto de Lei, precisa ser observado com a possibilidade de ser um instrumento onde o Prefeito assume, em tese, um crime de apropriação indébita.   Vejamos o que diz o Código Penal sobre Apropriação indébita: “Apropriação indébita Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aumento de pena § 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa: I - em depósito necessário; II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; III - em razão de ofício, emprego ou profissão. Apropriação indébita previdenciária Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de: I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social...”   Se está ou não configurado o crime supra mencionado pelos Vereadores, cabe as autoridades competentes a apuração dos fatos (Polícia Judiciária Civil e Ministério Público).   O que resta demostrado com essa ação da Prefeitura de Cuiabá é que a gestão realizou descontos nos salários dos servidores, com o fundamento de que se tratavam de obrigações tributárias e não agiu como prevê a legislação em vigor, ou seja, realizando os pagamentos nas datas corretas, dando destinação distinta aos valores apropriados. Não fosse isso, se a Prefeitura tivesse feito o desconto nos salários e não tivesse destinado o recurso para pagamento de outras despesas, hoje teria saldo para quitar as dívidas. O que afirma não possuir.   Os princípios da Administração Pública são balizadores usados para orientar as leis administrativas. Eles servem para dar um senso maior de direção à Administração Pública, tornando suas ações válidas e mais éticas, ou seja, fazendo com que atendam realmente aos interesses da principal interessada — a sociedade. São eles: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Eles estão no artigo 37 da Constituição Federal.   Ao nos depararmos com esse cenário atual preocupante e que deixará consequências para a próxima gestão da Prefeitura de Cuiabá, não é difícil chegar à conclusão de que falta a atual gestão a observância dos princípios constitucionais.   Vamos continuar acompanhando e esperando as providências dos que tem competência para atuar diante da gravidade da situação, para que eles então respondam a pergunta:   “Pode isso Arnaldo?”   *José Rodrigues Rocha é advogado, jornalista, pós-graduado em direito constitucional, escritor, palestrante, consultor e conferencista

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