O governo federal articula uma nova tentativa de aproximar o Congresso Nacional da pauta sobre a regulação das plataformas digitais. O objetivo é retomar o debate em torno do Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, que está travado na Câmara dos Deputados desde o ano passado por falta de consenso.
De acordo com o Secretário de Políticas Digitais da Presidência da República, João Brant, o Executivo está finalizando sua posição sobre o conteúdo e a estratégia para avançar com o tema.
“Nossa compreensão é que essa regulação precisa equilibrar três coisas: a responsabilidade civil das plataformas, o dever de prevenção para impedir a disseminação de conteúdos ilegais, e a mitigação dos riscos sistêmicos da atividade”, afirmou Brant durante palestra na Fiocruz.
Críticas ao atual modelo e riscos no ambiente digital
Atualmente, a atuação das plataformas é regida pelo Marco Civil da Internet, de 2014. A legislação só permite responsabilização judicial das redes sociais por conteúdos de terceiros após descumprimento de ordem judicial — com exceções para casos de violência sexual ou violação de direitos autorais. Na prática, a moderação de conteúdo é feita de forma autônoma por cada empresa, com base em políticas internas.
Brant criticou o modelo vigente, comparando com a lógica de regulação ambiental. “Você impõe responsabilidades e custos para mitigar riscos. No ambiente digital, isso não existe, e as plataformas não assumem qualquer responsabilidade.”
Ele também destacou que o uso das redes sociais em crimes contra crianças e adolescentes, assim como golpes digitais, deve fortalecer a pressão popular por mudanças:
“As plataformas lucram com conteúdos fraudulentos. A própria população começa a sentir os efeitos.”
Trump, Musk e soberania digital
O debate brasileiro sobre regulação ganhou repercussão internacional após os embates entre Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), e o Supremo Tribunal Federal (STF). Brant considera que o episódio foi um “ponto de virada” e que a postura firme do Estado brasileiro serviu de exemplo para outros países.
“O mundo inteiro ficou olhando para ver o que o Brasil faria. E o Brasil suspendeu o serviço. No fim, Musk teve que cumprir as regras.”
Para o coordenador do Centro de Referência para o Ensino do Combate à Desinformação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Afonso Albuquerque, o comportamento de figuras como Musk e do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, acentuou a necessidade de regulação global.
“Há uma ameaça à soberania dos países, principalmente com a atuação agressiva dessas plataformas, aliadas a setores extremistas. É preciso pensar em mecanismos transnacionais de regulação e governança”, defendeu.
Albuquerque também defende que o debate não deve se limitar à responsabilização por conteúdos, mas incluir princípios como transparência algorítmica e controle sobre o financiamento das plataformas.
Apesar da urgência e da pressão crescente por parte da sociedade civil, especialistas avaliam que o cenário político ainda é desfavorável para a aprovação imediata da proposta no Congresso. Ainda assim, o governo acredita que temas sensíveis como a proteção à infância podem ajudar a destravar a pauta.