A partir de uma apreensão de 2 kg de metanfetamina e do celular de um investigado, a Polícia Civil de São Paulo desmontou uma rede de traficantes chineses, nigerianos, mexicanos e portugueses que dominam a venda da droga nas ruas da capital paulista. Alvos de prisão na Operação Heisenberg, 60 investigados faziam parte dessa engrenagem.
A operação foi batizada de Heisenberg, inspirada no apelido do personagem Walter White, da série televisiva Breaking Bad. Protagonista, White é um professor de química que se torna um temido líder do tráfico de metanfetamina no Novo México. A ação policial foi deflagrada no dia 17 de dezembro, com o apoio de 280 policiais civis e o cumprimento de 101 mandados de buscas, além das prisões.
Tudo começou quando um chinês — uma testemunha cuja identidade é mantida em sigilo — procurou a Polícia Civil e denunciou o esquema.
Ele disse que veio ao Brasil em razão de uma proposta tentadora de emprego, mas acabou descobrindo que teria de trabalhar para o delivery de tráfico de drogas. A partir da dica, policiais flagraram, em julho deste ano, chineses com 2 kg da droga em um apartamento no centro de São Paulo.
Um dos presos, Pikang Dong, conhecido como “Rodízio”, teve o celular apreendido. Mensagens encontradas a partir da perícia no aparelho revelaram um manancial de diálogos sobre a compra e venda da droga com traficantes de outras nacionalidades.
Sexo com drogas
Policiais acabaram descobrindo que os grandes destinatários da metanfetamina são hotéis e motéis de São Paulo, porque a droga tem sido usada para “sexo químico”. Conhecida como “chemsex”, termo em inglês, a prática consiste em apimentar o sexo com o uso de drogas. A metanfetamina tem um efeito que dura muitas horas e tem sido muito usada para este fim.
Nesse esquema, chineses produzem, mas também são grandes distribuidores das drogas fabricadas por mexicanos, apontadas como aquelas que têm a melhor qualidade, e de nigerianos, que são vistas como mais baratas e de qualidade inferior.
Todas essas ramificações ficaram claras nas mensagens do celular de Pikang Dong, e mais nítidas ainda quando policiais passaram a seguir investigados até locais de entregas, laboratórios, em encontros, além de obter dados de seus sigilos bancários — que evidenciaram transações entre eles.
Pikang Dong se apresentou à Justiça como um trabalhador do ramo de obras e disse ser apenas um usuário. No entanto, essas mensagens trocadas com outros traficantes derrubaram essa tese. Ele já está condenado a nove anos de prisão. Cabe recurso.
O famoso Bruce
Um de seus interlocutores, por exemplo, é um chinês conhecido como Bruce. O nome já era recorrente em relatos de fontes da Polícia Civil entre usuários, em São Paulo, como um grande fornecedor da metanfetamina na capital. No entanto, foi a partir do celular de Dong que a identidade dele foi descoberta.
Trata-se do traficante chinês Li Xiaozhe, que estava entre os presos no flagrante da metanfetamina no apartamento, junto com Dong, mas que não era, até então, visto como o tão famoso “Bruce” que aparecia em boletins de ocorrência de tráfico e conversas informais de policiais sobre quem estava fornecendo a droga nas ruas.
Até um manual para fabricar metanfetamina estava nas conversas com Bruce. Também foram encontrados comprovantes de depósitos entre ele e Dong.
A célula nigeriana
Segundo a Polícia Civil paulista, o líder da metanfetamina entre nigerianos é Francis Philip. Transações via Pix para Francis foram encontradas no mesmo apartamento onde foram apreendidos os 2 kg da droga com os chineses. No celular de Dong, há conversas com subordinados de Francis sobre venda de drogas.
Relatórios de inteligência financeira mostraram que chineses envolvidos com o tráfico tiveram uma série de transações com o manda-chuva do tráfico nigeriano.
O traficante mexicano
Com um traficante mexicano, chamado Guilhermo Fabian Ortiz, além de menções à venda de drogas, há fotos de armas que Dong negociou.
Guilhermo é engenheiro químico de formação e visto por investigadores como um dos maiores fornecedores de metanfetamina de São Paulo. Ele é conhecido como o “fantasma” por traficantes.
Em uma das trocas de mensagens, Ortiz diz a Dong: “Comprar de nigerianos custa 40, mas a qualidade não é boa, seria mais aceitável se fosse 50”. Dong responde: “Vou dar o preço que administro como fornecedor, que é 45 reais”.
Entre os mexicanos investigados, há, inclusive, um Hector apelidado de “Hector Salamanca”, que é um dos personagens traficantes da série Breaking Bad — e que inspirou o nome da operação policial.